Em mais um episódio que revela a face estrutural dos problemas do transporte aéreo brasileiro, uma passageira menor de idade permaneceu nove horas sozinha em um aeroporto, sem assistência mínima após atraso na decolagem. A Justiça condenou a companhia aérea. E, sinceramente, não havia como ser diferente.
Esse caso escancara algo que venho repetindo há anos: a judicialização não é um capricho do brasileiro; é a reação previsível a falhas que já deveriam ter sido extintas do setor. E quando o passageiro é hipervulnerável como menor, idoso ou PCD a consequência jurídica é praticamente automática.
A raiz do problema é simples: falha onde não pode falhar
A Resolução ANAC 400 é clara. O Código de Defesa do Consumidor é claro. E a responsabilidade da empresa é objetiva não importa se houve culpa, importa se houve falha na prestação do serviço.
A ausência de assistência, especialmente com uma menor desacompanhada, é uma dessas falhas que o Direito simplesmente não tolera. E não é para tolerar mesmo.
O Judiciário vira o caminho natural
Quando o passageiro:
- não recebe alimentação,
- não recebe acolhimento,
- não recebe orientação,
- e, pior, é deixado totalmente sozinho…
…o processo judicial deixa de ser uma alternativa e vira uma consequência lógica.
A judicialização nasce justamente dessa combinação explosiva: serviço inconsistente + arcabouço jurídico forte + fácil acesso ao Judiciário. É causa e efeito não histeria coletiva.
O impacto é sistêmico e afeta todo o setor
A cada caso como esse, reforça-se a percepção (correta) de que a via judicial é o único caminho eficaz para resolver conflitos na aviação brasileira. E assim cria-se um ciclo:
- Falha operacional → desassistência → indignação → ação judicial → jurisprudência favorável → mais ações.
Enquanto isso, empresas acumulam custos jurídicos, desconfiança dos passageiros e desgaste institucional.
Um jogo de perdas para todos.
Conclusão: judicialização não é o inimigo é o termômetro
Casos como o da menor abandonada nos lembram que a judicialização é apenas o sintoma visível de um sistema que insiste em não corrigir suas próprias falhas. Enquanto isso persistir, continuará sendo o Judiciário e não o balcão da companhia o palco onde o passageiro encontra a proteção que lhe faltou no aeroporto.
O setor aéreo brasileiro só vai amadurecer de verdade quando entender que segurança, assistência e respeito ao passageiro não são obrigações normativas são compromissos de credibilidade.
Por Hilton Rayol.

