Os céus dos Estados Unidos podem estar se preparando para receber voos muito mais rápidos em um futuro próximo. Isso não se deve apenas ao desenvolvimento de aeronaves de passageiros supersônicas, mas, pela primeira vez, os detalhes estão sendo discutidos para permitir que esses aviões voem acima da velocidade do som em território americano.
Durante a era do Concorde, que foi aposentado em 2003, voos comerciais acima de Mach 1 eram terminantemente proibidos sobre o território continental dos EUA, principalmente por causa do estrondo sônico.
Atualmente, iniciativas estão sendo propostas para revogar essa restrição. Recentemente, um projeto de lei foi apresentado no Senado dos EUA e uma medida semelhante está em trâmite na Câmara dos Representantes. Se a nova geração de jatos supersônicos, como o “filho do Concorde,” conseguir decolar, terá acesso a muitas mais rotas do que seu antecessor.
Diversas aeronaves supersônicas estão em desenvolvimento, com o objetivo de ultrapassar Mach 1 sem os estrondos sônicos típicos desse fenômeno. Um exemplo é o X-59, um projeto experimental da NASA que iniciará seus testes em 2025, projetado para emitir um som significativamente reduzido durante o voo.
Outra empresa de destaque nesse cenário é a Boom Supersonic, com sede no Colorado, que está trabalhando no Overture, o primeiro avião comercial supersônico desde o Concorde. A possibilidade de liberar o espaço aéreo americano representa um progresso crucial para enfrentar os desafios que ainda existem.
“Este é um ano muito empolgante para nossa equipe,” comentou Blake Scholl, fundador e CEO da Boom, em uma entrevista à CNN.
Esse entusiasmo se baseia no fato de que o XB-1, um demonstrador da empresa, conseguiu romper a barreira do som em duas ocasiões, sem causar impacto sonoro perceptível, voando em um regime conhecido como “cruzeiro sem estrondo”, em que o som se refrata para longe do solo.
A Boom planeja construir o primeiro protótipo do motor do Overture até o final deste ano e, se seguir seu cronograma ambicioso, as companhias American Airlines, Japan Airlines (JAL) e United Airlines podem começar a receber seus primeiros aviões até o final da década.
### Proposta Atraente, Desafios Reais
A visão de Scholl é bastante sedutora. A ideia de realizar um dia de trabalho na Costa Oeste, voar à noite de forma supersônica e chegar a Nova York ou Washington antes da meia-noite é atraente. Com uma velocidade de cruzeiro de Mach 1.7, o Overture tem o potencial de reduzir significativamente o tempo de voos transcontinentais.
Os 80 passageiros a bordo do Overture teriam a promessa de muito conforto, com assentos que se assemelhariam aos da classe executiva dos jatos convencionais. Contudo, a disposição das companhias aéreas em adotar esse projeto é uma questão diferente.
Um dos pontos de preocupação é a autonomia do Overture, que tem um alcance aproximado de 4.888 milhas, suficiente para cobrir os EUA ou fazer viagens curtas à Europa, mas não para atravessar o Pacífico sem escalas.
Ademais, os compromissos feitos por American, JAL e United são considerados não vinculativos e vistos como intenções do que garantias concretas. Não há menção a esses acordos como investimentos firmes em seus registros financeiros.
### Desafios e O “Prêmio Supersônico”
“Boom está se afastando de uma tendência da aviação que prioriza a eficiência,” ressaltou Jon Ostrower, editor-chefe do site The Air Current. As aeronaves operadas atualmente buscam ser mais eficientes em termos de consumo de combustível.
A Boom estima que o Overture poderia consumir de duas a três vezes mais combustível por assento premium em comparação a jatos convencionais. Um estudo do Conselho Internacional de Transporte Limpo sugere que seu consumo pode ser de cinco a sete vezes maior.
Para assimilar esses custos, as tarifas aéreas teriam que ser elevadas. Um estudo de pesquisadores alemães mencionou que as tarifas no Overture precisam ser 38% mais altas que os preços da classe executiva para que a operação seja viável. Isso pode resultar em preços que superam US$ 4.800 para voos entre Nova York e Londres.
De acordo com os pesquisadores, os passageiros podem estar dispostos a pagar esse adicional para “voltar no tempo”, principalmente em voos a favor do fuso horário. Já na direção oposta, o incentivo econômico é menos convincente.
Embora Scholl reconheça que muitos passageiros podem achar os preços do Overture elevados, ele acredita que há um nicho de mercado viável.
### Desafios Financeiros e Regulatórios
Richard Aboulafia, da AeroDynamic Advisory, estima que a Boom precisará de US$ 12 a 15 bilhões para o Overture, mas até agora arrecadou cerca de US$ 800 milhões. As dificuldades financeiras podem ser um obstáculo relevante.
Scholl afirmou que o investimento necessário pode ser inferior a US$ 2 bilhões, ressaltando que muitas economias foram obtidas por meio da eliminação de ineficiências na produção.
Entretanto, a certificação regulatória representa um grande desafio. O processo tornou-se mais complicado após os problemas com o Boeing 737 MAX, atrasando as aprovações necessárias.
O cronograma da Boom prevê um ano para o teste de voo, muito diferente da experiência da Airbus, que levou 18 meses para certificar seu A350.
Scholl, no entanto, está confiante, garantindo que a tecnologia e o mercado para a aviação supersônica estão prontos. Ele acredita que as regulamentações para voos sobre terra serão resolvidas em breve, enfatizando a importância de uma execução eficaz.
“A possibilidade de falhar é alta, mas há uma chance real,” concluiu Scholl. “A tecnologia e o mercado estão presentes, e estamos certos de que podemos avançar.”

