A Ascensão da Comac e o Desafio ao Duopólio Boeing-Airbus
As tensões comerciais entre os Estados Unidos e a China, com a Europa como um fator adicional, têm colocado o setor aeroespacial em destaque na nova ordem geopolítica mundial. Esses conflitos impactam as cadeias de produção, levando a consequências como a recente proibição da Boeing de entregar o 737 MAX a companhias aéreas chinesas.
Nesse contexto, a Comac, fabricante chinesa, busca se estabelecer como uma terceira força no mercado de aviação comercial, almejando competir diretamente com Airbus e Boeing em aeronaves de corredor único e fuselagem larga. O C919, seu primeiro modelo com projeto original, adota uma abordagem de integração global através de uma vasta rede de fornecedores internacionais.
A Comac tem como meta conquistar um terço das entregas de jatos de médio porte na China, o que representa mais de 3.000 aeronaves ao longo dos próximos 20 anos. Para isso, a empresa planeja uma expansão considerável na produção do C919, aumentando as entregas anuais de apenas uma unidade no primeiro trimestre para até 75 aeronaves por ano, o que representa um crescimento de 1.775%. A previsão é de alcançar 200 entregas anuais até 2029, embora estimativas mais realistas sugiram que, entre este e o próximo ano, o total não ultrapasse 30 unidades, com uma média anual de cerca de 40 aeronaves até 2035.
Embora Pequim transmita uma imagem otimista, a realidade pode ser mais desafiadora, com as tensões comerciais e a complexidade de implementar uma linha de montagem podendo limitar a produção real. No entanto, especialistas acreditam que os planos da Comac são possíveis a médio prazo, apoiados pela robusta infraestrutura industrial do país e a habilidade comprovada de aumentar a produção rapidamente.
Oportunidades no Mercado
A Comac também deve aproveitar nichos no mercado global, especialmente em países emergentes, onde atores menores buscam alternativas mais econômicas, diante das longas filas de entrega das gigantes do setor. Isso poderá permitir à empresa chinesa firmar novos contratos e aumentar sua base de clientes.
Entretanto, um potencial obstáculo para a expansão do C919 pode ser a possibilidade de represálias dos EUA e da Europa, como embargos à venda de componentes. Tal ação, embora improvável devido ao impacto negativo sobre os próprios fornecedores, levou a China a intensificar seus esforços para nacionalizar a fabricação de peças críticas.
Um exemplo dessa iniciativa é o desenvolvimento do motor CJ-2000, realizado pela Aero Engine Corporation. Os testes indicam resultados promissores, e espera-se que um C919 equipado com esse novo motor inicie voos de teste em breve. Essa estratégia visa não só reduzir a dependência externa, mas também colocar a China no competitivo mercado global de motores aeronáuticos.
Os recentes eventos ressaltam a importância dessa autonomia. A Rússia, com seu programa MS-21, enfrentou grandes dificuldades ao não conseguir completar o projeto de maneira independente, além de não ter recebido apoio da China. O CR929, inicialmente um projeto colaborativo com a Irkut, foi renomeado para C929 e agora será totalmente desenvolvido pela Comac, visando competir com o Airbus A330neo e o Boeing 787.
Nos anos vindouros, a Comac pode se solidificar como uma importante terceira força na aviação comercial mundial. A incerteza permanece sobre como Estados Unidos e Europa responderão a essa mudança de equilíbrio no setor aeroespacial, que não é apenas estratégico, mas também um instrumento de poder e influência internacional.

